[esquemaNovo]

Versão virtual da coluna [esquemaNovo] sobre música pop, produzida por Thiago Pereira e Terence Machado e publicada, todas às quintas no jornal "Hoje em Dia".

Nome:
Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Pai, católico não praticante, taurino (por teimosia, hehehe), cruzeirense não ortodoxo, ainda jornalista, ex-baterista com recaídas frequentes, ciclista "pós-amador".

quinta-feira, setembro 29

Festa histórica com gente esquisita: CRF 2005

Apesar de problemas sérios envolvendo a organização do evento - como o cancelamento em cima da hora dos shows de Lobão e Hurtmold-, o Curitiba Rock Festival , realizado no último final de semana na capital paranaense, foi um belo pontapé inicial para a inacreditável maratona sonora que invade o Brasil neste segundo semestre. Nos próximos meses ainda desembarcam nomes como Pearl Jam, Iggy Pop And The Stooges, Wilco, Flaming Lips, Television, Rolling Stones...e mais muitos nomes de peso a acrescentar nesta inacreditável lista.

Mas o Curitiba Rock Festival tem grandes chances de virar o xodó do público que acompanhar tudo isso. Não foi apenas um festival, foi uma autêntica celebração indie, uma turma que, no fim das contas, celebra a si mesma e a seus óculos, seus casaquinhos, seus penteados, seus discos do Pavement, seus All-Star...E Curitiba preenche perfeitamente o imaginário indie de “terra prometida”: eternamente banhada em tons cinzentos do céu ameaçador de tempestades( e não fica só na ameaça: choveu o domingo inteiro) ; lindos parques urbanos e uma melancolia natural que paira sob suas ruas calmas, onde andando poucos quarteirões do Centro Cívico já se encontram ruas de paralelepípedos e cassa moldadas pela colonização européia do sul do país. Para qualquer um que tenha em seu HD cerebral a inglesa Manchester e Morrissey cantando “everyday is like sunday, everyday is silent and grey”, é uma filial e tanto.

E como qualquer grande festa, os problemas iniciais acabam se tornando motivos a serem celebrados. A primeira baixa foi a mudança do evento: da majestosa Pedreira Paulo Leminski- um espaço a céu aberto circundado por uma mata e um lago, com capacidade para mais de 10 mil pessoas- fomos transportados para o modestíssimo Master Hall, que como outras casas no país, de pomposo só carrega o ”hall” que o batiza. Numa comparação, era o Lapa Multishow local, com capacidade para no máximo 4 mil pessoas e olhe lá. O motivo maior para a mudança seria a baixa venda de ingressos a poucas semanas do festival. Não que Weezer , Mercury Rev e Raveonettes, as estrelas maiores desta edição fossem incapazes de carregar um grande público para a Pedreira. Mas uma desastrosa conjunção de fatores, como o anúncio de outros dois grandes festivais de grande porte para o segundo semestre, como o Tim e o Claro Q É Rock ( sem contar o eletrônico Nokia Trends, que aconteceu no mesmo fim de semana do CRF), acabou por esvaziar os bolsos e o ânimo do povo.

Loser manos ( os originais) a vontade no Brasil

Mas não precisava ser muito esperto para fazer o raciocínio: a possibilidade de assistir a essas bandas (nenhuma delas com grande vocação para arenas, verdade seja dita), em um palco bem menor e público idem, valorizava muito a viagem. E Rivers Cuomo, líder do Weezer, a banda amada por 11 entre 10 indies e mentor fashion /intelectual dos mesmos pareceu sacar isso no momento em que entrou no palco. O DJ responsável por animar o público entre a maratona dos shows entendeu direitinho a histórica conjunção destes fatores .Logo após o ótimo show dos cariocas Acabou La Tequila ,que driblaram a ansiedade do público pela banda principal com boas novas como “Rádio Jabá” e a one hit wonder “Biscoito”, o toca discos preparou a moçada com “KKK Took My Baby Away” dos Ramones e “Teenage Kicks” dos Undertones, na seqüência. Duas bandas que passaram para o Weezer, décadas depois, o bastão do “pop-romântico-loser barulhento”. Pouco depois, “Here Comes Your Man” dos Pixies refrescando na memória de todos o monumental show assistido na edição do ano passado do Curitiba Rock Festival, e criando instantaneamente paralelos naturalmente existentes.

Feita a cama, era só se espremer entre os mais de três mil presentes na platéia, que depois de quase quarenta minutos de espera já não agüentava mais assistir aquele entra-entra de roadies no palco. As pernas já estavam cedendo quando, finalmente a banda deu as caras- por falar em caras, onde foi parar o óculos do Rivers Cuomo, aquele quadradinho de aro preto , imitado por quase 60% da população presente no Master Hall? Provavelmente no mesmo lugar em que a sanidade e a habitual timidez dos indies foram quando o Weezer abriu os trabalhos com “My Name Is Jonas”, canção que também abre os primeiro disco da banda, carinhosamente conhecido como “Blue Álbum”. Aliás , todas as faixas de abertura de seus discos posteriores ( com exceção do “Maladroit”, cujo repertório inteiro foi ignorado, maldade com pepitas como “Keep Fishin”) foram executadas. Mas elas foram apenas alguns dos pontos altos de um show que teve apenas pontos altos. Fica a critério do fã escolher qual imagem vai levar para casa e não esquecer jamais: o momento solo de Cuomo empunhando um violão no mezanino do Master Hall, rodeado de fãs e esperando o corinho da platéia, lá em embaixo, em “Island In The Sun”; a troca de posições em “Photograph”, onde o baterista Pat Wilson assumiu os vocais, o cover de “Big me” dos Foo Fighters. Pelo menos um eu tenho certeza do que vai guardar na memória: o guri que foi convidado pela banda e executou (razoavelmente bem!) a clássica “Undone (The Sweeter Song)” ao violão, tipo membro convidado. Eu fico com o coro ensurdecedor durante as favoritas “Say Isn´t So” e “The Good Life” e a certeza de ter assistido pouquíssimos shows tão intensos e perfeitos na vida. A banda também, como assumiu depois em seu website oficial e nos sorrisos distribuídos durante todo o show. Entretenimento em estado bruto, quem falou em loser mesmo?

Só se foram os integrantes do Charme Chulo que fizeram horas antes uma apresentação toda calcada naqueles clichês do rock brasileiro anos 80- vocalista metido a poeta, sonoridade pós punk, muita pose e pouco conteúdo... Charme chulo e chato ( viva Leminski, um dos grandes poetas da terra!). Melhor sorte teve o cearense Cidadão Instigado, que entre o brega e o experimental levantou os ( muitos, claro) fãs de Sonic Youth presentes, principalmente nos momentos em que a guitarra soava como um ganso sendo violentado- tipo experimental, manja? Melhor mesmo quando as composições da banda apareciam, de leve acento regional e despreocupadas em agradar o público a qualquer custo. Mal que sofre os paulistanos do Biônica- assim como muitas bandas da cena indie- que pretende conseguir alguma moral entre a moçada com quilos de barulho e histerismo feminino e com isso também esconder suas composições fracas. Mas ou menos o que deu fama ao (quem?) Cansei De Ser Sexy.

A migração secreta(da música para arte-ui!)

Mas o segundo dia redimiu a ala independente do festival, turma que, diga-se de passagem, é também a razão de existir eventos como o Curitiba Rock Festival ( alô produtores mineiros!). A abertura, com os locais Black Maria não seria a responsável por isso, com sua desgastada mistura de rock com latinidades. O suingue só foi correr solto mesmo com o Móveis Coloniais de Acaju. Se os políticos soubessem da existência de uma banda como essa na cidade, a festa em Brasília seria ainda maior. O show foi absolutamente brilhante, adjetivo que não cabe em seu disco de estréia, produzido por Rafael Ramos, o padrinho de Pitty e Dead Fish. Mas o ex-Baba Cósmico mostrou que sabe das coisas ao perceber nos nove (!) integrantes do grupo um profissionalismo e senso de diversão raros na oportunamente carrancuda cena indie nacional. A banda fez tudo certo para mostrar seu ska/big band em um cenário tão deslocado quanto a cinzenta e chuvosa noite de Curitiba. Figurino exótico, com todos no grupo exibindo elegantes smokings, que depois os identificavam facilmente no meio da fauna uniformizada em jeans e camisetas descoladas. Um cover que todo mundo sabia cantar, fazendo o povo pipocar ao som de “...se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar”. Um dinamismo infernal no palco, com os integrantes revezando espaços o tempo inteiro, prendendo a atenção de qualquer mortal mais desatento. Se existisse alguém já morto, sem problemas: os caras puxaram uma roda no meio da platéia, botando muito indie para brincar de ciranda. De quebra, bons músicos executando boas canções, como o proto-hit “Seria O Rolex?”. Fortíssimo candidato a melhor show da noite, principalmente se levarmos em conta que a apresentação de Karine Alexandrino, na seqüência, foi um desastre. Dispensando uma banda tradicional, a cearense confiou apenas em um DJ , que soltava bases pré-gravadas , e em seu “charme”, sua voz infantil meio forçada , cinta-liga e pernas de fora. O resultado ficou entre o curioso e o constrangedor, com o público esvaziando lentamente o local no decorrer da apresentação, provavelmente assustados com aquela bizarra mistura de Xuxa com Peaches . Sem os berros e o teatro todo, Karine funciona melhor.Seus discos são a prova disso.

Ao Los Diaños, só bastou lamentar o fato de encararem o público depois dos incendiários Movéis Coloniais de Acaju. Sua mistura saltitante de jazz com hardcore não animou muita gente, não. Aliás ânimo era o que mais faltava naquele começo de noite de domingo: a Patife Band, saída direta dos porões dos anos 80, também não conseguiu entusiasmar os presentes, apesar do bom show. Respondendo pela parte “experimental” do CRF, o grupo levou estranheza e atonalidade onde antes existia sopros e metais. Paulo Barnabé honrou o sobrenome, capitaneando um grupo de difícil digestão: letras mezzo poéticas, cacetadas hardcore lidas numa partitura, andamentos completamente esquisitos...o público tentava entender e assistia tudo respeitosamente. A conhecida “Corredor Polonês” colocou um ponto final na apresentação. Por falar em ponto final, o show do Ultramen ganhou um cedo demais. Depois de cinco músicas executadas sem o pique os caracteriza, o combo gaúcho teve de abreviar seu repertório a pedido da produção. Nenhuma explicação oficial foi dada, o que acabou explicitando ainda mais os erros cometidos pela produção do festival.

O Raveonettes veio de brinde, mas acabou fazendo uma apresentação corretíssima e barulhenta, dentro de sua limitação “hype de uns truques só”. Pois bem, os truques foram apresentados (“The Great Love Sound”, “Attack Of Ghost Riders”) e o restante foi assistido com alguma empolgação. Suficiente aliás para esquentar os ânimos dinamarqueses da vocalista Sharin Foo ( “Nico nórdica!” gritava um gaiato durante todo o show), que acabou pulando do palco para a platéia e distribuindo calorosos beijinhos e abraços na moçada. Decepcionante para quem estava no meio da pista e perdeu a chance de tirar uma casquinha da deusa - a melhor coisa a sair de terras dinamarquesas desde os biscoitos amanteigados e o futebol de Michael Laudrup.

Depois do barulho, o silêncio. Era a vez da apresentação mais esperada da noite, o Mercury Rev, responsável por um dos discos mais belos da década passada, “Deserter Songs”. Muita gente parecia não saber disso, já que a lotação do Master Hall já tinha diminuído bastante quando um telão, no meio do palco, foi ligado. No início exibiram uma seqüência rápida de imagens contemplativas intercaladas por capas de discos clássicos - a idéia era “jogar para a galera”, como que buscando uma cumplicidade imediata com o público. Deu certo: pareciam gritos de torcida quando aparecia um disco de Iggy Pop ou do Sonic Youth no telão. Bem vindo ao mundo do Mercury Ver, era essa a senha. “The Secret Song”, grande música tirada do último disco da banda, “The Secret Migration” abriu a hipnose que iria enfeitiçar o público por quase duas horas ainda. No telão, belas imagens complementares as ambiências criadas pela música do Rev- pássaros, golfinhos, a natureza humana e extra –terrena... E uma coleção de frases notórias - de Kerouac a Yoda - que iam piscando no vídeo e serviam quase como tradução instantânea para as letras cantadas pelo vocalista Johnattan Devue. Aliás, ele é um show a parte: seu balé no palco faria Freddie Mercury o mais másculo dos homens! Entornando garras de vinho, o vocalista encontrou conforto no público brasileiro para exibir suas coreografias e movimentos ora desconcertantes ora hilários mesmo, tamanha a afetação.

Deixando o cinismo e a ironia de lado, foi bonito pacas. Um show para se assistir deitado- com um ácido na boca e a cabeça traçando comparações com 1968, Pink Floyd, psicodelia...E mais: foi daqueles momentos onde a música ultrapassa conceitos como entretenimento e alcança o tão desejado status de arte, movendo sentimentos, trazendo questionamentos adormecidos ou ainda inéditos para as pessoas. O repertório apresentado não teve maiores destaques, parecia na verdade uma única peça musical dividia em movimentos. Qualquer semelhança com rock progressivo não é mera coincidência. É aquela história: se seu tiozão assistiu ao Gênesis em solo tupiniquim nos anos 70, e ficava te alugando até hoje, com esta apresentação do Mercury Ver já dá para tirar uma onda com as próximas gerações . Ah, mas a banda cover de Peter Gabriel e Phil Collins vai se apresentar aqui em Belo Horizonte neste fim de semana, né?

Não é a toa que, mesmo com todos os problemas apresentados, o Curitiba Rock Festival fez história novamente. (Thiago Pereira)

quarta-feira, agosto 31

[Cê num conhece o pop rural, sô?]



A música pop quase sempre manteve sua pulsação intimamente ligada ao agito dos grandes centros urbanos, os paraísos de veraneio e lugares da moda. Poucas vezes “pôs os pés na roça”. Geralmente, no campo, o som, assim como tudo o que se faz por lá, é tachado de caipira, com direito a todo o pacote de significados pejorativos que esse adjetivo carrega. Mas como tudo nesse mundão besta vive mudando de figura, movimentos culturais cíclicos vem e vão, trazendo consigo os valores sertanejos pra selva de pedra. Aí, de repente, passa a ser chique ter carros “off road” ou camionetes pra andar apenas “on road”, em vias asfaltadas, sem nunca chafurdá-los na lama. Dessa mesma forma, você pode deparar com pessoas da alta sociedade aderindo ao estilo sertanejo (quase sempre, fantasiados, é verdade!), escutando e até indo a shows de seus astros rurais, em casas de espetáculos luxuosas nas grandes cidades, bem longe das festas de peão boiadeiro e parques de exposição de gado.

Pois o mais novo ícone urbano a receber (ou ser “contaminado” por - dependendo do nível de preconceito de cada um para com os valores do campo) essa carga interiorana é a música pop. Basta prestar um pouco mais de atenção em vários artistas que andam despontando nas principais publicações especializadas, ultimamente, pra sentir o quão caipiras eles andam. Alguns, a bem da verdade, nunca esconderam o gosto pelo capim no canto da boca e o cheiro de esterco.



Ryan Adams “Cold Roses”

É o caso do “trabalhador braçal” Ryan Adams, que semeou suas músicas no terreno country rock do grupo Whiskeytown pra ganhar fama e fortuna na cidade, já em carreira solo. Seu novo rebento em dose dupla é “Cold Roses”, um apanhado de nada menos que dezoito canções pra se ouvir de preferência num celeiro ou curral, com os animais “entrando na mixagem”. Ele é só um nome que parece ter vindo a trator pro meio pop “muderno” e descolado, sendo muito bem recebido, por sinal.



Richmond Fontaine “The Fitzgerald”

Pra alegria dos “indies de plantão”, aqueles que sempre fazem questão de manter a pose de alternativo até no universo roceiro, com lama até os joelhos, a salvação para tirá-los do atoleiro pode estar, por exemplo, nas mãos e voz de Willy Vlautin, cérebro do grupo Richmond Fontaine – novo queridinho do alt country (traduzindo, country alternativo). Seja na fazenda, cidadezinha ou casa de campo, os indies não precisam mais debochar de quem costuma ouvir Garth Brooks, Shania Twain ou Zezé Di Camargo e Luciano, com aquele jeito petulante e indelicado de gente da capital, que vira e diz: “isso aí é brega demais, eu gosto é de Velvet Underground e uma banda nova que eu nem vou te contar qual é”. A partir de agora dá pra dizer, ainda de nariz empinado, porém, depreciando menos os valores alheios (até pelo contrário): “Quando escuto música country, prefiro clássicos (para os indies de plantão, tudo que é “novo”, aclamado pelas revistas gringas e desconhecido do público, em geral, já é “clássico” – alternativo do alternativo, por isso mesmo, clássico!). E o tal disco clássico pode ser “The Fitzgerald”, dos norte-americanos do Richmond Fontaine, que se conheceram pelo interesse comum - acredite, se quiser - em bandas como Hüsker Dü, The Blasters e The Replacements!



The Stands “All Years Leaving”

Outras bandas, cantores e cantoras têm percorrido a mesma estrada de chão batido até lançar seus trabalhos. Um bom exemplo de que a poeira pode fazer bem é “All Years Leaving”, a estréia em cd do quarteto inglês The Stands. Eles são os novos caipiras de Liverpool, claro, deixaram o primeiro single “Here She Comes Again” refletir logo tudo o que têm de beatlemaníacos, embora, o resto do cd esteja muito mais para a caipirice stoneana de “Dead Flowers” ou do grupo norte-americano The Byrds. E olha que o segundo cd veio a galope – “Horse Fabulous”. De quebra, ainda batem na mesma tecla de “Man-made”, o mais recente dos seus vizinhos escoceses e veteranos do Teenage Fanclub.



Teenage Fanclub “Man-made”

Longe de casa, do outro lado do Atlântico, em Chicago, pra ser mais preciso, os membros do Teenage registraram com John McEntire do Tortoise o novo cd. A mudança de ares fez o ensolarado power pop do grupo ficar com uma cara do pôr do sol presente no soft rock do America, por exemplo. É como se os escoceses tivessem optado por ficar trancafiados no “Hotel Califonia” dos Eagles ao invés de encarar mais uma vez a onda “Surfin U.S.A.” dos Beach Boys.



Black Rebel Motorcycle Club “Howl”

Até o som enfumaçado feito pelo Black Rebel Motorcycle Club, cheio de psicodelismo e guitarras inspiradas em Jesus and Mary Chain e Stone Roses, foram parar no uivo de um lobo solitário, evocando o blues de Howlin’ Wolf e outros mestres do estilo. De todas as guinadas, em direção às sonoridades roceiras, foi a desse grupo de Los Angeles a mais radical. Quem ouviu os dois primeiros discos do B.R.M.C. pode achar o novo cd um passo oportunista rumo ao pasteurizado formato acústico que tomou conta do mundo roqueiro, mas não. “Howl” é lamento, em forma de blues, gospel e country, de uma banda que enfrentou vários problemas recentes. Foi despachado pela antiga gravadora – a Virgin – ficou sem seu baterista, recuperou-o de novo e, quando o fim da linha parecia próximo, a trinca acabou acolhida pela RCA. A mudança inesperada faz bem mais sentido, após o conhecimento dessas intempéries vividas pelo power trio.



Magnolia Eletric Co. “When Comes After Blues”

E o que vem depois do blues? Para Jason Molina e seu Magnolia Eletric Co. parece ser uma nova dose de country rock. Com essa estréia em estúdio (o primeiro cd foi o ao vivo “Trials e Errors”), o músico capta com perfeição toda a melancolia da vida interiorana, explorando duetos vocais, sons de violinos, guitarras e outros elementos, cavalgando à vontade pelas terras de Neil Young, nos momentos de maior calmaria.



Grant Lee Phillips “Virginia Creeper”

O cantor e compositor Grant Lee Phillips também deixou aflorar seu lado trovador solitário, meio bicho do mato, em “Virgina Creeper”. Isso, claro, depois de produzir um dos mais subestimados discos da década de 90, “Fuzzy”, à frente do Grant Lee Buffalo, e engrenar vários álbuns de pop sofisticado e de extremo bom gosto, em carreira solo. Segundo a crítica estrangeira, este terceiro trabalho solo do músico é quase uma ode ao The Boss, na fase do álbum “Nebraska”.



Bruce Springsteen “Devils & Dust”

E seria um grande erro não incluir o grande “chefão” do cancioneiro folk norte-americano, ainda mais, numa incursão ruralista por vários sons de qualidade. Ele acaba de cometer mais um álbum pra se ouvir numa cadeira de balanço, na varanda de alguma daquelas tradicionais casas de madeira dos Estados Unidos, refletindo sobre o modus vivendi do americano comum. A diferença é que Mr. Springsteen é de longe o mais politizado, famoso e competente de todos esses “peões”. Não é à toa que ele atende pela alcunha de “The Boss”.

sábado, junho 18

["Vá de retro, Satanás" porque Jack e Meg estão de volta à cidade!"]



Num julgamento rápido pode parecer que está coluna dá atenção demasiada ao casal Meg e Jack White. Só que num período relativamente curto, o primeiro semestre deste ano, essa dupla ultradinâmica do pop atual chacoalhou o mercado mundial três vezes. Foram ações diferentes, dois lançamentos distintos e uma nova turnê, cercados por um diferencial e tanto: qualidade. O dvd “Under Blackpool Lights” teve seus maiores atributos levantados, aqui no [esquema novo], há pouco tempo. Falta, então, falar de “Get Behind Me Satan”, o novíssimo cd, e da sua turnê de divulgação que acaba de passar pelo Brasil.

Partindo do pressuposto de que o White Stripes é um “gato de sete vidas”, pois a longevidade é algo cada vez mais raro no feirão da música popular descartável, poderíamos afirmar que esse novo disco é a quarta reencarnação do grupo de listras pretas, vermelhas e, principalmente, brancas. Cumprindo o seu papel no “corpo” iniciado em Detroit, no ano de 1997, o “espírito roqueiro” reaparece ainda mais evoluído do que nas últimas investidas – “White Blood Cells” e “Elephant”. Dessa vez, já chegou exorcizando os demônios que certamente o atormentaram no passado. Duas imagens do encarte antecipam, visualmente, as intenções. Numa delas, o lugar que seria de Meg é ocupado pela virgem Maria. E na outra, as mãos do casal quase se tocam, numa alusão ao “Juízo Final”, pintado por Michelangelo, na capela cistina. Religião e rock, pão e circo reunidos com brilhantismo. Também, o título “Get Behind Me Satan” já diz quase tudo. É algo como “vá de retro, Satanás”. E pra chegar ao atual estágio evolutivo, Jack e Meg White continuam dando seu recado de forma arrasadora, fazendo quase todo mundo esquecer que o White Stripes é um grupo de rock ‘n roll aleijado – digamos! Não tem baixista e se vira nos 30, 40 ou no tempo que for preciso com uma baterista limitadíssima. Como qualquer portador de deficiência, o duo consegue suprir a falta de um membro, a partir do desenvolvimento exacerbado de outro. E esse outro é o vocalista e guitarrista Jack, dono de um talento ímpar no hype contemporâneo. É mais do que a foca que equilibra a bola (no caso, a Meg), na ponta do nariz. É também o palhaço de roupa e bigode engraçados que leva o público ao delírio, cantarolando músicas e revelando arranjos que parecem piadas pop de tão boas. Um bom exemplo das suas graças é “My Doorbell” – terceira faixa do recém-lançado trabalho. E quando precisa domar sua ferina guitarra o faz com chicotadas intimidadoras e dignas de respeito e subserviência. É o que se vê, no momento em que, fora da jaula, a fera do hard rock ruge, mostra as garras, mas está o tempo todo sob o absoluto controle do seu domador. Faixas como “Blue Orchid” e a acachapante “The Denial Twist” dá mostras explícitas de como Jack liberta criaturas perigosas, entre elas AC/DC e Led Zeppelin, mas nunca deixa que tomem conta show e nem provoque maiores estragos.

Em outros momentos bem mais bucólicos, até porque eles são predominantes em “Get Behind Me Satan”, marimba, piano e violão compõem a trilha para alguns dos melhores e inesperados números do rock ‘n roll circus criado pelo White Stripes. O primeiro é apresentado logo de início no espetáculo, envolvendo uma enfermeira – a minimalista “The Nurse”. O picadeiro dá lugar a cowboys, fantasmas, cavalos, bailarinas e equilibristas, no country “Little Ghost”. A inspiração caipira ainda uiva de melancolia em “White Moon”. E essas duas faixas remetem à banda que Jack ajudou a criar no clima rural do filme “Cold Mountain” estrelado por Nicole Kidman e a ex-senhora White - Reneé Zellweger. Pra platéia nunca apagar da lembrança a base dos outros espetáculos do grupo, blues e rock rasgados, rodeiam “Instinct Blues” o equivalente ao “globo da morte”, no cd show do casal White.

É normal uma banda incomum fugir do lugar comum até na hora de escolher onde pretende descer a lona. O exotismo do White Stripes trouxe a nova turnê ao Brasil com uma das datas, em Manaus, num show que se confirmou histórico, pelas próprias circunstâncias selvagens. Tudo ficou ainda mais pitoresco porque Jack saiu do Amazonas casado com a modelo inglesa Karen Elsen, numa cerimônia realizada por um pagé, em cima de um barco, no encontro das águas do Rio Negro com o Solimões. Quer maneira mais espiritual pra ficar de bem com a vida e espantar o demo? “Cruz credo”, deve ter pronunciado o capeta, com o rabo entre as pernas, diante de mais uma redenção do White Stripes.(Terence Machado)

terça-feira, junho 7

[Sobre meninos e lobos - e fantasmas também]



Depois de mudar o panorama do mercado fonográfico atual, conciliando música nova de qualidade fora do esquemão das majors, o que esperar do músico Lobão? Muita coisa, outra coisa e com certeza, coisa boa. Afinal, ele mesmo já deveria ter percebido a responsabilidade que teria ao lançar seu disco em sua própria revista, seguindo o alto padrão de qualidade estabelecido desde o primeiro número da Outracoisa, que encartava o suíngue sangue bom de “Enxugando Gelo” de BNegão e Os Seletores de Freqüência. E que depois foi colecionando acertos, ranqueando alguns trabalhos como grandes sopros de criatividade na nova MPB, casos de Mombojó , Rogério Skylab e Quinto Andar. Se a proposta editorial da publicação ainda não se mostra tão bem resolvida, ela cumpre com perfeição seu papel de renovar a música brasileira - “constranger as gravadoras”, como vive afirmando o músico /editor chefe.

Mas chega de verdades: sentia-se falta do músico, poeta, showman, encarnaçoes tão necessárias quanto à do empreendedor radical que aposta no mercado alternativo. Se a primeira experiência como exilado do mainstream se mostrara mais do que certeira (“A Vida É Doce”, seguramente um dos melhores discos nacionais da década passada) existia a dúvida de como se comportaria agora, confortavelmente abraçado pelos valores do subterrâneo, celebrado como mentor de um underground que ainda não sabemos até onde pode chegar. Recebeu o título de personalidade do ano de 2004 no último Prêmio Claro de Música Independente, prometeu parcerias com os pupilos do Cachorro Grande; além de divulgador, parece perfeitamente integrado a jovem guarda de nossos dias... Mas, por mais que ele fuja, seu trabalho é fruto (proibido?) dos anos 80 e sendo assim compactua os mesmos méritos que seus colegas de geração quando comparados com os novos artistas. Méritos como qualidade técnica e principalmente, conteúdo em letra e forma. A diferença que o lobo pode reivindicar é que seus acertos são maiores e melhores que os outros e “Canções Dentro Da Noite Escura” seu novo trabalho, reafirma isso.

Um disco de gente grande, de assustar cachorros, por maiores que estes sejam. Pairam sobre as novas canções algumas atmosferas já criadas nos trabalhos inéditos imediatamente anteriores (“Noite” de 97e “A Vida é Doce” de 99) e que revelaram audições de Portishead, Massive Attack, Paulinho da Viola, Tom Jobim entre outras, mas agora adicionada, ao peso exposto no dispensável ao vivo “2001-Uma Odisséia no Universo Paralelo”. Mas a guitarras em primeiro plano agora se mostram mais necessárias, bem encaixadas, pautadas por seu currículo setentista (de quem guarda na memória afetiva discos do Grand Funk Railroad) até a timbragem mais moderna de Nine Inch Nails e Queens Of The Stone Age. Verdadeiros esporros musicais/existenciais como “Depois Das Duas” e “O Homem-bomba” autenticam a proposta, assim como se revelam os trechos mais sufocantes, sombrios e... chatos, nessa caminhada pela noite escura. Melhor quando recupera o grande melodista de sempre, unindo bons ganchos com os habituais acertos líricos (“O impossível é uma droga poderosa/Perigosa o bastante para se inventar a fé/ Para se acreditar na fé”, versa “A Balada Do Inimigo”). Claro, existem sempre as discordâncias, as dúvidas do quanto é válido e verdadeiro essa metralhadora verbal do cantor. Mas sempre será assim quando se trata de Lobão - e hoje esta munição se faz mais necessária que nunca. Mesmo com todo confete na nova geração, o homem parece sozinho, e este é um disco sobre solidão e os fantasmas que a habitam.

Portanto, coincidência ou não, são justamente em suas parcerias que estão melhores dosados os ingredientes que temperam “Canções dentro da noite escura” com um gosto de sol. O reencontro artístico dele como Cazuza e Júlio Barroso (ambos já falecidos), antes de oportunista parece retificar a idéia de que os dois estão ali, não só como os fantasmas que passeiam pelo Leblon descritos no álbum, mas também por perto e vivos dentro de Lobão, um dos poucos sobreviventes de um restrito grupo que fez da poesia, do trinômio sexo drogas e rock ‘n roll um remédio antimonotonia tão raro nos dias de hoje. “Seda” foi entregue por Lucinha Araújo, mãe do exagerado, para Lobão que musicou os versos afiados (“Agora que a seda transformada em trapos/ Já não me atrapalha movimentos/ Nem me aperta os sapatos”) em cadência bluesy chorada, aparentando – a com “Lullaby” do último disco ao vivo. O resultado soa naturalmente belo, assim como “Quente” e a linda “Não Quero Seu Perdão” parcerias com o fundador da Gang 90 Júlio Barroso (e Tarciana Barros, viúva de Barroso, na última). A primeira foi entregue a Lobão no interior paulista, por um músico que participou dos últimos shows da Gang 90 e que garantiu ser este o último escrito do poeta. O resgate virou um uivo sereno, emoldurado por um cello. Já “Boa Noite Cinderela” assume a sua identificação com Cássia Eller, elo quase solitário encontrado pelo compositor durante os anos noventa. “Eu só queria cantar mais um pouco/ Pra te ter mais um pouco” assume Foi escrita na noite da morte da cantora.

Não é um trabalho fácil e nem poderia ser, vindo de quem vem. Lobão oferece um exercício pouco atraente: numa comparação direta, perde as sutilezas bem medidas em “ A Vida é Doce” a favor da amplificação, do barulho. Mas por outro lado, retoma a urgência exposta no subestimado “Noite” em cançoes mais lapidadas. Destaque também a boa produção de Carlos Trilha, que tem no currículo os últimos trabalhos em vida de Renato Russo.Parece estranho, mas entre os meninos e os fantasmas, Lobão escolheu a segunda opção para ressurgir musicalmente. Mas vindo de quem vem... Um dos grandes trabalhos do ano são essas cançoes dentro da noite escura. (T.P.)

e-mail: esquemanovo@gmail.com

quinta-feira, maio 19

[Prêmio Claro: “E a grande vencedora é: a música independente brasileira!”]



Em primeiro lugar, nada mais justo do que soltar o grito: “é campeão!”. Foram dois anos na vice-liderança pra, finalmente, este ano o Alto-falante ganhar o Prêmio Claro (ex-Dynamite) de Música Independente, na categoria melhor programa de televisão. A cerimônia de entrega aconteceu no último dia 10, no teatro Sérgio Cardoso, no bairro Bela Vista – o popular Bexiga – na capital paulista. A vitória é legítima já que foi conquistada não apenas com os votos de meia dúzia de jornalistas, produtores e músicos da área que conhecem bem o programa, mas, principalmente, com a escolha maciça da audiência. E é aí que se torna perceptível uma grande mudança no cenário televisivo, no que diz respeito à divulgação de música, levando em conta os diferentes canais e emissoras que se propõem a isso.

Ponto único: o Alto-falante produzido pela Rede Minas, nos últimos oito anos, e veiculado nacionalmente pela TV Cultura-SP, num horário pra lá de ingrato (nas madrugadas de sábado para domingo à 01h da manhã), deixou pra trás três concorrentes da linha de frente da emissora cuja primeira palavra do nome é “Music”. Ou seja, a tal tv de música descuidou tanto da sua matéria-prima, ultimamente, que vários dos seus antigos e fiéis telespectadores, inclusive este que aqui escreve, têm mudado de comportamento. Gradualmente eles vêm deixando a emissora exaurir sua força comercial criativa, em programas de variedades pra adolescentes de até 15 anos, enquanto buscam novas fontes musicais televisivas de controle remoto em punho. É que alguém que gosta realmente de música não consegue levar a sério um jornalismo musical, conduzido, em outros tempos, por gente como Zeca Camargo, Gastão Moreira e Fábio Massari, que de uns tempos pra cá entra no picadeiro com VJs como o Rafa, Sarah e Léo Madeira. Nada pessoal contra os últimos, o problema é musical e jornalístico mesmo! É preciso ter bagagem e, claro, competência até pra falar de música! Senão um programa do ramo vira o mesmo esquete de cultura inútil que domina boa parte das mesas redondas sobre futebol, que têm de tudo, menos quem entende de verdade do assunto. Aliás, a “emetevê”, como diria Caetano, criou por último um programa que parece mesmo um desses tediosos blá, blá, blás futebolísticos. Como um agravante, os VJs popstars(não necessariamente nesta ordem) da emissora ficam conversando sobre suas preferências com a mesma profundidade com que são debatidos assuntos “mais sérios” no talk show da Hebe. No que toca (ou melhor, no caso, não toca) a questão musical, se você espremer tudo o que eles falam, não sai nem informação de release. E, ampliando isso para toda a programação do canal mencionado, se você torcer e retorcer tantas horas dedicadas a temas como comportamento, variedades, futilidades, imbecilidades e humor, somente as últimas gotas irão emitir algum som! Aliás, parece até piada o fato da “emetevê” hoje só conseguir acertar a mão em programas de humor como “Hermes e Renato” e “Rock & Gol”. Quem sabe não está na hora de mudar o nome para CTV? Traduzindo: Comic Televison! Daí a embalagem teria a ver com o produto.

Voltando ao produto que ainda interessa a muita gente – a música – e também ao Prêmio que apontou há pouco mais de uma semana, quem anda fazendo diferença no mercado independente brasileiro, vale dizer que a justiça foi feita. Justiça à maior banda de rock ‘n roll da atualidade que levou o prêmio de melhor disco de rock – o Cachorro Grande (com “As Próximas Horas Serão Muito Boas”), e ao cara que primeiro cuspiu no esquemão gravadoras-jabaculê-rádio, esquemão esse que mandou para o exílio da cena alternativa o que é produzido de bom nesse País. Lobão levantou o troféu de personalidade dessa mesma cena e ergueu o de melhor revista para “Outra Coisa” que ajudou a emplacar – uma publicação sobre música, com cds de artistas relevantes do pop nacional - encartados e vendidos em bancas e lojas de jornais e revistas. A banda capixaba Dead Fish se deu bem na categoria “melhor disco de punk e hard core” com o cd “Zero e Um”. Tão certo e merecido quanto isso foi Black Alien ganhar o prêmio de melhor disco de rap/ hip hop/ black music com seu “Babylon by Gus – O Ano do Macaco”. E, com cada macaco no seu galho, um a um, os prêmios caíram nas mãos certas (o Alto-falante faz parte da “tirinha premiada” e, quer saber, modéstia às favas nessa hora!). A grande injustiça ou equívoco da noite talvez tenha sido a gravadora Trama ficar com o troféu de “melhor selo/gravadora independente”. É que perto da Monstro Discos de Goiânia, com um catálogo que já ultrapassa sessenta títulos dedicados exclusivamente a bandas e artistas da ala alternativa brasileira, a ação da Trama foi nula, no ano passado. Fora dessa categoria (selo/gravadora) a empresa (que de independente não tem mais quase nada) até bancou uma empreitada importante e significativa para a cena – a Trama Virtual, capitaneada pelo produtor Miranda. Fora o pequeno desajuste, quem melhor que Rogério Skylab pra receber o prêmio de melhor disco de mpb, já que Wado e Mombojó concorriam (e não levaram!), na categoria “melhor disco de pop”? A vinda dos Pixies e Teenage Fanclub também não foram suficientes pra fazer o Curitiba Pop Festival tirar do tradicionalíssimo Abril Pro Rock o prêmio de melhor evento.

A estrutura ainda é mambembe, vide o telão que descia perigosamente torto sobre as cabeças dos participantes da cerimônia de entrega do prêmio, duas caixas de som que caíram, durante a apresentação do Ramirez, entre outros micos de produção. Mas a festa arquitetada pelo pessoal da revista Dynamite para jogar holofotes e premiar simbolicamente todos que trabalham sério pela música de qualidade produzida no Brasil deixou claro uma coisa: dias ainda melhores virão.(T.M.)

e-mail: colunaesquemanovo@gmail.com

domingo, maio 8

[A rádio que você não ouve...]



Alô, alô, está no ar a “rádio que você não ouve”. Hoje ao longo da nossa programação vai rolar muita música diversificada e de bom gosto. Aqui não tem jabá e nem locutor com a voz afetada, dizendo que as melhores da semana são as novas do Charlie Brown Jr. e do Evanescence. Já que se trata de um espaço democrático no dial, sem que a concessão tenha sido fruto de agrados ou troca de favores entre políticos, a “rádio que você não ouve” emplaca, logo de cara, algo que não faça o proprietário enriquecer e nem massageie o ego do diretor artístico. Ah! O nosso diretor artístico, assim como o programador, é um cara que entende e, sim, também gosta de música, da mesma forma que você, amigo ouvinte!

Vamos lá. Não precisa ouvir rap porque “todo mundo” ta ouvindo isso, nos Estados Unidos e Europa. E se for pra tocar rap, a seqüência incluirá sons como o The Streets, Racionais MCs, Thaíde e DJ Hum, ao invés de xaropadas óbvias de gente como 50 Cent e Snoop Dog. O último gravou clipe no Brasil e fingiu que canta(?), nas suas curtas apresentações por aqui? Quem está sintonizado com a gente não cai nesse tipo de armação!

Até porque a “rádio que você não ouve” tem tanta coisa nova e velha de bom gosto pra rolar ao longo da programação, que não dá pra desperdiçar tempo com música ruim. Quer ver o que te espera, misturando num só balaio musical alguns nomes brasileiros e estrangeiros? Então, anote aí: Wado, White Stripes, Nervoso, Nine Inch Nails, Nação Zumbi, Bright Eyes, Stella Campos, Radiohead, Mombojó, Doves, Cachorro Grande, Queens of The Stone Age, Ludov, The Mars Volta, Bidê ou Balde, Kings of Leon, DJ Dolores, Vhs or Beta, Bonsucesso Samba Clube, Muse, Valv, Hot hot heat e mais um caldeirão sonoro quase infinito.

Alguns nomes citados fazem parte do mainstream e, mesmo assim, só toca nessa rádio. É que ninguém aqui quer tentar adivinhar suas preferências musicais e, com base nisso, te empurrar orelha abaixo um bocado de lixo. Como nos bons tempos, a idéia é formar e informar você que está sempre na escuta. E, não, partir pra uma lavagem cerebral e tratá-lo como cobaia do nosso péssimo e viciado mal gosto. O que é ou deixa de ser radiofônico, você também vai nos ajudar a descobrir. Tudo bem, nossos profissionais são do ramo, mas nem por isso têm bola de cristal pra adivinhar todas as músicas que se transformarão em sucesso. A globalização pode até ter padronizado muita coisa mas, nem por isso, todos os hits radiofônicos do brit pop terão a mesmo sorte com as pessoas do Japão, Austrália e Brasil, por exemplo.

A “rádio que você não ouve” toca no meio cada vez mais freqüentado pelos amantes do bom som – a Internet. Ela está aí pelo mundo, derrubando as velhas barreiras dos kilowatts de potência. E tem programas variados. É melhor assim porque te ajuda a abrir a cabeça pra várias vertentes musicais. Ou você tava achando que, no fundo, tudo é pop rock? Esse termo virou mão na roda pra quem não saca nada de música e quer vendê-la a qualquer preço. Virou o verdadeiro “negócio da China”. Daí, na dúvida se está mais pra Biquíni Cavadão do que pra Barão Vermelho, basta enquadrar como “pop rock” que dá certo. É porque pega mal uma rádio vender só pop. Fica careta. E ser for rádio rock, pode parecer que só toca música com guitarra distorcida. Sendo assim, melhor mesmo deixar tudo em “banho Maria” e requentar sem parar esse troço, que até os ouvintes já sabem o que é: o tal do pop rock!

Frejat, líder do Barão Vermelho, que já foi um grupo de rock ‘n roll e agora joga na retranca da desgastada seleção do pop rock, canta num dos seus recentes sucessos: “cuidado com o que você ouve”. Corajoso ele, porque um ouvinte mais esperto seguiria a risca suas palavras, tomando cuidado pra não ouvir algo em torno de 80 por cento dos artistas que freqüentam hoje as rádios, incluindo aí o Barão. Ninguém merece uma caretice publicitária, com pinta de ter sido encomendada pelo Ministério da Saúde, sendo o carro chefe do cd que marca a volta da “maior banda de rock do Brasil”. Enquanto isso, a grande banda de rock do Brasil, solta os cachorros: “Agora eu tô bem louco”. E ainda convida o Lobão pra berrar no final da música: “E agora, p****!!!” Isso, sim, tem a ver com rock ‘n roll, com atitude, diversão, etc.

Mas nada de radicalismo indie! Na “rádio que você não ouve” o Barão Vermelho dá as caras com as boas faixas dos álbuns que fez até o desastroso “Puro Êxtase”. E, em seguida, entra Black Crowes, Rolling Stones da fase do Brian Jones, pra casar bem com uma dos Mutantes e, depois, uma dos Beatles (de preferência do Revolver) pra, de repente, cair num som mais atual – ainda lisérgico – como Super Furry Animals ou Spiritualized, depende do clima que o dj sentir no momento. Claro! Porque tudo bem uma rádio contar com o avanço da tecnologia, mas ter toda a programação do dia (ou da semana pra piorar!) pré-gravada e comandada por computadores no automático é completamente brochante. Sem falar que fica patético aquele clima frio e chuvoso e você lá ouvindo a mais “ensolarada canção” do Teenage Fanclub ou do Weezer (como se isso tocasse nas rádios convencionais). Pra exemplificar melhor e com maior possibilidade de acerto: você sai com toda a disposição numa linda manhã de sábado, sintoniza a “rádio-robô” e ouve os versos: “chove, chuva, chove sem parar”! Entendeu agora?

Antes que você passe por uma decepção dessas e tenha o desprazer de qualquer anticlímax musical, procure num lugar, fora do dial, a “rádio que você não ouve”. Nela, realmente, você vai voltar a conhecer “novas” músicas, mesmo quando estiver ouvindo o flashback. Quem disse que o revival precisa contar apenas com os mesmos good times de sempre, entre eles, “Sultans of Swing”, “Hotel California”, “Year of the Cat”, “Proud Mary”, “Let it Be”, “I Feel Good” e todas as ultramanjadas?

Estou te esperando, então, todos os dias, com o melhor da música em geral, é só não ligar o rádio!(T.M.)

terça-feira, maio 3

[As iguarias musicais exóticas de Astronauta Pingüim]

Segundo o site Allmusic Guide, “easy listening” seria “música instrumental designada para ser relaxante (...) prazerosa e fácil para os ouvidos”. Alguns dos maiores nomes do estilo são Henry Mancini (criador de temas clássicos como “Moon River” e “Baby Elephant Walk”), o cosa nostra Sérgio Mendes, e claro, Ray Coniff, talvez seu nome mais popular. O gênero ganhou muita força na década passada com seu uso na trilha de filmes como “Four Rooms” (de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino) e a série “Austin Powers” E se renova para o novo século na sua versão moderninha, o lounge, que poderia facilmente receber a mesma descrição acima, com o acréscimo de instrumentos e batidas programadas eletronicamente.

Mas que catzo está fazendo um gaúcho regravando clássicos da música pop gaúcha em versão easy listening? E pior, batizado bizarramente de Astronauta Pingüim (“O pingüim é apelido de infância. O astronauta é para ficar bem na ordem alfabética”) Se a referência no nome também o aproxima do termo Spaced Age Pop, freqüentemente usado para definir easy listening, não fica difícil encontrar outras pistas de que é realmente um adepto do estilo em “Petiscos: sabor churrasco/switched-on Bah!", seu disco de estréia. Do título, que brinca com a pecha “som de churrascaria” aos timbres de teclado onipresentes, até a capa kitsch (que faz referência ao clássico disco “Velvet Underground And Nico”), o disco é um legítimo representante tupiniquim do gênero, assim como os trabalhos da novata banda paulista Sala Especial, e está em sintonia com gringos saudosistas como o Combustile Edson.

Depois de integrar - e continuar participando - das bandas de boa parte dos conterrâneos homenageados em seu disco ( Wander Wildner, Justa Causa, Júpiter Maçã) ele esteve em BH, planeta Terra, no mês passado divulgando seu disco de estréia e adiantando para o público mineiro parte do repertório que estará presente em “Supersexxysounds”, seu próximo disco. Esquema Novo, praticando jornalismo espacial, interrogou esse astronauta durante sua curta aterrissagem na capital mineira. (TP)



O que seria, afinal, som de churrascaria - a primeira imagem que me vêem é um tiozinho se esbaldando de carne ao som de Ray Coniff...

È uma denominação mais tosca para o easy listening. O Lafayette (tecladista da época da Jovem Guarda, tocou em discos de Roberto e Erasmo Carlos) é um cara que faz isso desde os anos 60. Hoje ele é reverenciado, “cult”, mas na época era mega popular. Meu pai mesmo ouvia easy listening mesmo não sabendo (risos). Esse termo mesmo é mais recente.

O que você faz então é easy listening...

Uso elementos de easy listening. Eu chamaria de punk lounge.

O que!!?

Sim, porque o que faço é punk, não tem obrigação com nada. Sala Especial (banda paulistana de easy listening) é easy listening puro, tem essa obrigação de ser puro. Eu já uso elementos dos anos 80, como sintetizadores da época, por exemplo. È punk na sonoridade, no descompromisso com estilo e tal. Em uma música do disco novo sampleei “Hey Ya”( hit recente da dupla norte americana Outkast), outros não fariam isto.

Parece-me que hoje existe um interesse maior por esse papo de lounge, easy listening...

Aconteceu agora no Brasil, lá fora sempre foi levado a sério, comercializado... Lá existe muito respeito pela música instrumental, em qualquer área, rock, jazz. Tivemos aqui nos anos oitenta um tipo de jornalismo que adorava o último grito na Inglaterra - isso era o bom, o que já passou, era ruim. Então o respaldo da mídia se perdeu para estes caras, Lafayette voltou a tocar em churrascaria! Mas a nova geração não depende mais desse tipo de informação, as pessoas procuram hoje o que elas gostam.

Tenho que confessar: um trabalho como o seu só poderia ter a assinatura de um gaúcho mesmo.(risos) Por que eu tenho essa impressão?

Tenho uma teoria a respeito; Porto Alegre, há 15 anos atrás era, “longe demais das capitais” (risos). Essa distância criou no Sul um mercado interno próprio. Isso influenciava inclusive no acesso a informação, então a gente ficava ouvindo rock progressivo, Jovem Guarda, aquilo que seu pai ou seu irmão mais velho gostava... As novidades chegavam sem a mesma velocidade de hoje, só os mais descolados, tipo Edu K ( vocalista da banda oitentista De Falla) conheciam coisas como Red Hot Chilli Peppers...Então o gosto dos donos das lojas de disco acabavam sendo a sua informação. Então, temos esta fama de ecléticos, mas somos bastante seletivos também - apenas o que é bom em cada gênero!

Por isso eu tenho a certeza que os gaúchos reunidos no seu disco devem ter se sentidos bastante honrados com suas versões...

Eles adoraram. A escolha do repertório foi baseada nas coisas que eu me identificava mesmo, não entrou Engenheiros do Havaii, por exemplo. No início, nem pensei em editora, foi independente mesmo. Depois que fundei meu selo, tive de trabalhar nesta parte burocrática, buscar autorizações e por isso o disco demorou quatro anos para sair.

O uso dos equipamentos certos é fundamental para conseguir essa sonoridade easy listening não?

Sim. Alguns acham que sou radical, só busco equipamentos dos anos 60, mas não é verdade (entre os equipamentos do músico então um teclado Moog e um órgão Crumar de 67). O que eu busco é uma sonoridade orgânica, mesmo que seja através de sintetizadores modelos ano 70 ou 80. Mesmo um teclado estragado pode fazer parte de uma canção minha. Minha preocupação maior é a pesquisa, busco instrumentos antigos há 10 anos. Tenho 15 teclados, um baixo do início dos anos setenta, guitarras...

Falando nisso, ouvi falar que você é possuidor da famosa guitarra de ouro dos Mutantes, é verdade?

Sim, de uma delas. No período que o Cláudio César ( luthier e irmão mais velho dos Mutantes Sérgio e Arnaldo) trabalhou com eles, ele construiu mais ou menos 30 guitarras para o Sérgio Dias. E ele ia aperfeiçoando cada modelo, criando novas guitarras com efeitos mais avançados e a marca especial que era o uso de um filamento de ouro nas bordas, o que encarecia o instrumento. Consegui uma que pode ter sido a mesma que foi usada na capa do disco “Tropicália - ou Panis Et Circenses” e que foi usada nos dois primeiros discos da banda.

Quais são as próximas viagens do Astronauta, em formato CD?

Estou trabalhando em uma demo com o repertório baseado no rock nacional dos anos 80, mas executado com mais ênfase no moog, anos 70, linguagem easy listening. Ultraje a Rigor ( “Ciúme”), Ritchie (“Menina Veneno”), Lulu Santos(“Tempos Modernos”), Leo Jaime, entre outros são alguns dos escolhidos para esse novo projeto. Seria uma continuação do “Petiscos...”, focando o BRock. E finalmente, meu disco de inéditas, o “Supersexxysounds” que lançarei pela minha gravadora, Pinnapple Music. Sim, será provavelmente outro trabalho conceitual; nesse caso, a respeito de algumas musas minhas. Em música instrumental é muito fácil colocar título, então, esse está repleto de uma citação às mulheres que admiro como (a apresentadora infantil) "Eliana" (a jornalista) "Ana Paula Padrão",( a atriz) “Uma Thurman”... Uma delas, “Linda Boyle” já está disponível no Trama Virtual (www.tramavirtual.com.br).

Mais informações em: www.astronautapinguim.cjb.net